By Arthur Kis | 08 de Outubro de 2024

Nos anos 1980, o Brasil ocupava uma posição de destaque no mercado global de cacau. Em 1983, o país era responsável por cerca de 25% da produção mundial de amêndoas de cacau, ficando atrás apenas da Costa do Marfim. Naquela época, 80% das amêndoas brasileiras eram classificadas como de qualidade superior, e grande parte dessa produção era destinada à exportação, consolidando o Brasil como um dos principais fornecedores globais.

No entanto, o cenário mudou drasticamente ao longo das décadas. Em 2020, o Brasil passou a representar menos de 5% da produção mundial de cacau, ficando atrás de países como Gana, Nigéria, Indonésia, Equador e até mesmo do Haiti em termos de exportação. De um país que estava no topo, o Brasil viu sua relevância cair dramaticamente no mercado global de cacau.

O Déficit Global: Uma Nova Oportunidade?

Apesar da queda histórica, o cenário atual do mercado global de cacau abre uma nova janela de oportunidade para o Brasil. De acordo com a International Cocoa Organization (ICCO), o mundo enfrenta um déficit alarmante de 400 mil toneladas de cacau. Esse déficit é maior do que a produção anual brasileira, que foi de 290 mil toneladas em 2023, conforme dados da Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC).

Embora esse déficit represente um grande desafio para a cadeia produtiva global de cacau, ele também sinaliza uma oportunidade única para o Brasil. O Brasil já se aproxima de sua autossuficiente para o consumo interno e tem potencial de expansão, especialmente na região do Pará, que em 2023 foi responsável pela produção de 150 mil toneladas de cacau.

Como o Brasil Pode Retomar o Protagonismo?

A retomada do protagonismo brasileiro no mercado global de cacau envolve estratégias focadas tanto no aumento de produtividade quanto na melhoria da qualidade. A seguir, algumas ações-chave:

1. Investimento em Tecnologia e Práticas Inovadoras: O aumento da produtividade é o caminho mais viável para o Brasil retomar sua relevância no setor. O país já tem o conhecimento técnico necessário, e exemplos práticos mostram que é possível aumentar a produtividade em até cinco vezes em regiões como Bahia e Pará. Iniciativas de assistência técnica (ATER) têm se mostrado altamente eficazes, gerando retornos significativos para os produtores. A adoção de práticas como a poda, o uso de fungicidas orgânicos e técnicas de manejo sustentável podem duplicar a produção sem a necessidade de expansão de área, como demonstrado em projetos recentes.

2. Diversificação Geográfica e de Modelos de Produção: O foco no Pará tem se mostrado promissor, mas há também oportunidades de crescimento em outras regiões, como Bahia, Espírito Santo e até áreas novas como o oeste da Bahia e o Ceará. A expansão para áreas não tradicionais e o uso de modelos agroflorestais na Amazônia não só aumentam a produção, mas também contribuem para a recuperação de áreas degradadas, reforçando o compromisso ambiental do Brasil. Além disso, a diversificação com produtos de maior valor agregado, como cacau fino e orgânico, pode gerar novos mercados e maior lucratividade.

3. Apoio Governamental e Parcerias Internacionais: Para que o Brasil atinja sua capacidade total, é fundamental um apoio mais coordenado entre governo e setor privado. Isso inclui a revitalização de entidades como a CEPLAC e o fortalecimento de cooperativas. Parcerias internacionais com foco em sustentabilidade também podem ajudar o país a se posicionar melhor no mercado global, especialmente em um momento em que os grandes compradores de cacau buscam fornecedores que atendam a padrões rigorosos de sustentabilidade e responsabilidade social.

Oportunidade de Mercado: A Relevância do Brasil no Futuro

Com um déficit global crescente e a demanda de mercados emergentes como a China e os países árabes, o Brasil tem uma oportunidade clara de reconstruir seu legado no setor cacaueiro. Se as ações necessárias forem tomadas, o país pode não apenas suprir parte da demanda global, mas também se posicionar como um dos principais exportadores de cacau de alta qualidade, retomando sua posição de destaque no cenário mundial.

Conclusão

O Brasil já foi um gigante no setor cacaueiro, e o cenário atual oferece uma oportunidade única de retomar esse protagonismo. Com inovação tecnológica, aumento de produtividade e um foco renovado na qualidade das amêndoas, o país pode não apenas suprir a crescente demanda global, mas também se consolidar como um dos principais exportadores de cacau de alta qualidade. O passado mostrou o potencial do Brasil no setor, mas o futuro depende das escolhas estratégicas e dos investimentos que forem feitos hoje.

O Brasil tem nas mãos a chance de transformar seu setor cacaueiro, reconstruindo sua relevância no cenário global e aproveitando um momento de déficit mundial. As ações certas agora podem assegurar um futuro de crescimento e liderança para o país.

Arthur Kis

Consultor | Especialista em Cacau, Chocolate e Recheios | Empresário | Escritor | Mentor